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Instituição Fiscal, independente? A quem serve?

06/11/2020, às 09:58:07

A IFI, apesar de se dizer mera formuladora de projeções e análises, como toda instituição econômica opta por um arcabouço teórico. No caso, a teoria macroeconômica que justifica o teto de gastos e as políticas liberais de Guedes.


  
Cúpula do Senado



por Isabela Prado Callegari



A recente Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, não dedica espaço em seu site ou em suas aparições constantes na mídia para explicar ao público o porquê da escolha da palavra independente. Tampouco o fez o Senado Federal na resolução que cria a instituição. Pode-se encontrar, de maneira circunstancial e informal, na fala de seus membros, a justificativa de que a existência de mandatos com prazos definidos daria base a essa contundente adjetivação. Supõe-se que estaria garantida autonomia aos estudos e às opiniões, uma vez que mandatos impedem demissões, bem como que os prazos definidos confeririam apartidarismo (sic) à instituição.

Aparentemente, julga-se que essa característica seria relevante o suficiente, a ponto de não ser necessário sequer explicitar o que se quer dizer com essa palavra ou discorrer sobre os demais atributos da instituição. É como se fosse uma obviedade que, por estar declarada em seu nome, ela se torna o que diz ser.

No entanto, estudos conduzidos dentro do Senado, que analisaram a instituição à luz das próprias diretrizes dos organismos liberais que a recomendam, concluíram que conceder status de independência à IFI brasileira, nos moldes em que ela foi criada, representa severa involução institucional. Considerando o grau de aderência às características que balizaram a concepção dessas instituições no mundo, a IFI foi avaliada com uma nota de aproximadamente 4 de 10, principalmente devido ao seu baixo grau de independência partidária e operacional, e pela forma jurídica pouco transparente que a estabeleceu.

As análises ressaltam que por ser formada por diretores nomeados por comissões e presidência do Senado, a instituição resulta justamente em um órgão partidário, não isento, com pouco espaço para a pluralidade ideológica e ratificador de posições já majoritárias, uma vez que não há garantia de representatividade das minorias da casa nas nomeações. Destaca-se ainda que os únicos dois pontos em que a instituição recebeu nota elevada foram na sua eficiente comunicação com a imprensa e com o mercado financeiro.

Uma vez que a instituição tem como um de seus objetivos declarados a persuasão da sociedade e dos agentes econômicos em geral, e vem cotidianamente cumprindo essa finalidade, resta à sociedade produzir seu próprio julgamento acerca de quem se dedica a formar sua opinião.

A começar pelo resgate histórico, a primeira tentativa de criação da instituição parte do então presidente do Senado, Renan Calheiros, em junho de 2015, por meio de uma PEC com relatoria de José Serra. Como a proposta visava a criar um órgão à parte do Senado e da Câmara, resultou malsucedida em conseguir votos suficientes para alterar a Constituição. Já em 2016, em meio ao processo de impeachment, a ideia da instituição é reapresentada em novo formato, agora como um órgão interno ao Senado, sendo aprovada por votação simbólica em março.

A ausência de uma lei específica para sua criação, bem como a aprovação por resolução, a subordinação ao Senado e a falta de uma estrutura própria são apontadas nos estudos como pontos de fragilidade e de incompatibilidade com as orientações internacionais. Observa-se ainda que apesar de almejar o predicado de apartidária, vedando a filiação política na resolução de sua criação, o primeiro diretor-executivo a ser nomeado é ex-assessor de José Serra e José Aníbal, do PSDB.

Em agosto de 2016, o processo de impeachment é concluído, em novembro a instituição é criada e em dezembro a Lei do Teto é aprovada. Esses movimentos estão relacionados em sua natureza, vez que tanto a IFI quanto o novo regime fiscal são propagandeados como aderentes às boas práticas, recomendadas por FMI, OCDE e UE, que visariam a evitar a chamada irresponsabilidade fiscal, o suposto motivo do impeachment.

Com a efetivação de Temer na Presidência, ao fim de um processo amplamente questionado em sua legitimidade jurídica e reconhecido por seus interesses políticos[x], inicia-se uma série ininterrupta de reformas, privatizações e profundas alterações legislativas, alegadamente visando a retomar a credibilidade fiscal e a confiança de investidores. A IFI inicia sua atuação de maneira previsível, uma vez que seus membros já se pronunciavam alinhados às pautas centrais do governo antes de falarem como nomeados da instituição.

Apesar de estar presente no debate midiático como mera formuladora de projeções e análises, a IFI, como toda instituição econômica, opta por um arcabouço teórico. Muito longe de ser apenas uma compiladora de dados que apresenta pareceres acerca de metas fiscais, a instituição partilha da teoria macroeconômica que justifica o Teto de Gastos e as políticas de Paulo Guedes, o chamado Novo Consenso Macroeconômico. Não por acaso, essa teoria carrega em seu nome mais um exemplo da estratégia de linguagem utilizada pela ortodoxia para convencer o público de que existe uma espécie de Economia científica e isenta.

O consenso é autodeclarado justamente porque nunca existiu. A Economia é intrinsecamente e acima de tudo uma instância de disputa política e suas teorias carregam interesses de classe, sendo que a tentativa de esconder essa essência por trás de termos pretensamente neutros é parte essencial da normalização e hegemonização da ideologia dominante.

Portanto, se nos colocam agora em encruzilhadas entre garantir assistência social ou subsidiar a agricultura familiar, manter órgãos de fiscalização ambientalou incentivar a pesquisa científica, investir em saúde e educação ou pagar de forma digna os seus profissionais, é porque o falso dilema vidas versus economia já estava colocado muito antes de a pandemia chegar.

Antes do vírus, o orçamento já era a guerra, a austeridade era a calamidade e o normal já não era aceitável. Se todos os dias a mídia e os órgãos oficiais nos apresentam seus economistas enunciando, de forma paternalista e condescendente, que são os tutores responsáveis por nos dar o remédio amargo para o nosso bem, cabe a nós construirmos socialmente a recusa dessa narrativa. O dilema real e ao qual devemos reagir é apenas um: nossas vidas ou a Economia deles?

- Este texto é um resumo de artigo publicado no portal Outras Palavras.


* Isabela Prado Callegari é mestre em Teoria Econômica pela Unicamp e pesquisadora do Instituto Justiça Fiscal.




Fonte: Portal Vermelho


 
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